As Guerreiras Grenás têm um último desafio pela frente em 2021: a Brasil Ladies Cup, que tem início marcado para domingo (12) e a equipe estreia contra o São Paulo, às 18 horas, em Santana do Paranaíba. No grupo afeano também estão: Internacional-RS e o América de Cali-COL. Iniciando na competição, a Ferroviária irá promover uma campanha contra o racismo que foi batizada de #GuerreirasContraORacismo.

Mediante o próprio posicionamento das atletas após um caso de racismo na Libertadores 2021, o clube entende que o combate a essa discriminação precisa estar em maior evidência. Uma postura antirracista que será reforçada, tendo em vista que o clube tem se posicionado com frequência diante de casos de racismo, como o caso de George Floyd, o movimento Black Lives Matter e posicionamentos sólidos a respeito da importância de combater injúrias raciais. Visando combater racismo o clube fará ações durante toda a disputa da Ladies Cup, com faixas na entrada em campo, exposição de expressões racistas nas camisas das jogadoras, além de posts didáticos sobre o tema nas redes sociais.

A missão das Guerreiras será a de identificar e expor o que há de racista e prejudicial nessas expressões e como agir diante de injúrias raciais. Com o objetivo de erradicar ou ao menos reduzir a reprodução de palavras de cunho preconceituoso e omissão de atos racistas. Esta campanha teve início durante a semana, em uma palestra realizada na sala de imprensa da Fonte Luminosa pela assistente social da Ferroviária, Priscila Almeida, que conversou com as atletas sobre as diversas formas de racismo existentes na nossa sociedade.
“Trouxemos algumas frases e expressões racistas que a gente utiliza cotidianamente sem perceber e a gente nunca parou para refletir sobre isso. Discutimos isso com as meninas, foi um processo de construção com elas, pois também trouxeram outras palavras que usamos diariamente e não percebemos, então foi um processo de construção da campanha em conjunto”, falou. Além disso, a assistente social fez um panorama do processo escravocrata no Brasil e como a população negra foi tratada durante e após a abolição da escravidão:sempre marginalizado na sociedade.

De acordo com a atacante Aline Milene, é preciso falar sobre o assunto
rotineiramente. “Nós vivemos em uma sociedade mega racista. É muito importante a gente ser antirracista, e eu, enquanto mulher negra, aproveitando a abertura que o futebol tem, precisamos falar mais sobre o assunto. É abraçar essa causa e levar para as pessoas cada vez mais. A gente precisa ser antirracista a todo momento. Esta é a forma que nós temos de levar para as pessoas que estão nos assistindo, para acabar com isso”, declarou.

Para a goleira Luciana, a palestra dada pela assistente social da Ferroviária, foi enriquecedora em conhecimento sobre o assunto e ressaltou a importância de levar essa campanha ao máximo de pessoas possíveis. “A importância desse projeto vai além de muitas coisas. Não é só em um jogo, não só em uma semana, mas diariamente. A Ferroviária vai iniciar essa campanha na Ladies Cup e seguiremos fazendo em 2022. Então, estou bastante feliz de estar participando deste momento, porque nossa sociedade é racista mesmo e a gente aprendeu muito com a palestra que tivemos, porque foi trazido palavras que não sabíamos que continha cunho racista. Essa campanha vai ensinar, não só a gente, mas também para o Brasil e para o mundo todo, pois a Ladies Cup vai trazer times de fora. Vamos mostrar para
todos o quão importante é não ser racista e temos que lutar contra isso, independente de qualquer coisa. Como eu falei em uma entrevista, a cor não diferencia ninguém, então temos que ter um basta no racismo”, finalizou.

Expressões racistas que estamparão as camisas das atletas:

MEIA-TIGELA

Os negros trabalhavam que trabalhavam à força nas minas de ouro, nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. Quando isso acontecia, recebiam como punição, apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje significa algo sem valor e medíocre.

MULATA

Na língua espanhol, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete a ideia de sedução, sensualidade.

DENEGRIR

Sinônimo de difamar, possui na raiz o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e ofensivo, “manchando” uma reputação antes “limpa”.

NÃO SOU TUAS NEGAS

A mulher negra como “qualquer uma” ou “de todo mundo” indica a forma como a sociedade a percebe: alguém com quem se pode fazer tudo. Escravas negras eram literalmente propriedade dos homens brancos e utilizadas para satisfazer desejos sexuais, em um tempo no qual assédios e estupros eram ainda mais recorrentes. Portanto, além de profundamente racista, o termo é carregado de machismo.

OVELHA NEGRA/LISTA NEGRA

Entre outras inúmeras expressões em que a palavra ‘negro’ representa
algo pejorativo, prejudicial, ilegal.

CRIADO-MUDO

O nome do móvel que geralmente é colocado na cabeceira da cama vem de um dos papéis desempenhados pelos escravos dentro da casa dos senhores brancos: o de segurar as coisas para seus “donos”. Como o empregado não poderia fazer barulho para atrapalhar os moradores, ele era considerado mudo. Logo essa expressão se refere a esses criados.

CABELO RUIM

São falas racistas mais usadas, principalmente na fase da infância, pelos colegas. No entanto, elas se perpetuam até a vida adulta. Falar mal das características dos cabelos Afro também é racismo.

CRIOULO

Era a designação do filho de escravizados, é um termo extremamente pejorativo e discriminador do indivíduo negro ou afrodescendente.

DISPUTAR A NEGA

Possui sua origem não só na escravização, como também na misoginia e no estupro. Quando os “senhores” jogavam algum esporte ou jogo, o prêmio era uma escravizada negra.

INVEJA BRANCA

Mais uma expressão que associa o negro ao comportamento negativo. Inveja é algo ruim, mas se ela for branca é suavizada.

COR DO PECADO

Utilizada como elogio, se associa ao imaginário da mulher negra sensualizada. A ideia de pecado também é ainda mais negativa em uma sociedade pautada na religião, como a brasileira.

SERVIÇO DE PRETO

Mais uma vez a palavra preto aparece como algo ruim. Desta vez, representa uma tarefa malfeita, realizada de forma errada, em uma associação racista ao trabalho que seria realizado pelo negro.

FEITO NAS COXAS

A origem da expressão popular “feito nas coxas” deu-se na época da escravidão brasileira, onde as telhas eram feitas de argila, moldadas nas coxas de escravos.

SAMBA DO CRIOULO DOIDO

Título do samba que satirizava o ensino de história do Brasil nas escolas do País nos tempos da ditadura, composto por Sergio Porto (ele assinava com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta). No entanto, a expressão debochada, que significa confusão ou trapalhada, reafirma um estereótipo e discriminação aos negros.

PRETA DE ALMA BRANCA

Tentativa de elogiar uma pessoa preta fazendo referência à dignidade dela como algo pertencente apenas às pessoas brancas.

DOMÉSTICA

Domésticas eram as mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas. Isso porque os negros eram vistos como animais e por isso precisavam ser domesticados através da tortura.

A COISA TÁ PRETA

A fala racista se reflete na associação entre “preto” e uma situação desconfortável, desagradável, difícil, perigosa.

MACUMBEIRA

Expressão que discrimina as (os) praticantes de religiões de matriz
africana.

LÁPIS COR DE PELE

Expressão que diz respeito a cor branca, geralmente com tonalidades em bege ou rosa, como se a cor negra não fosse um tom de pele a ser considerado.

PESSOA DE COR

Expressão racista que diz respeito a qualquer pessoa que não seja considerada branca.

O Brasil foi construído por negros. A Ferroviária é um clube fundado a partir da união dos ferroviários, as estradas de ferro que interligaram e desenvolveram o país, contaram principalmente com o seu suor, sem que tivessem escolha. Já são séculos de desigualdades e injustiças.

Não somos diferentes. Basta de racismo e violência. As histórias de Araraquara e Ferroviária foram trilhadas com a identidade negra. Eles criaram e transformaram a essência da nossa sociedade, hoje são fundamentais na construção de nosso futuro. É nosso dever combater esse preconceito que se estende por séculos. Exigimos justiça e  igualdade.

Texto: Felipe Blanco e Jonatan Dutra/Ferroviária SA
Foto: Jonatan Dutra/Ferroviária SA